16 de fevereiro de 2009

O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.


do livro A Infância de Manoel de Barros - Editora Planeta: 2004

Li esse texto no primeiro dia de trabalho do ano de 2009 no MAC. A partir de agora quero ler trechos de livros antes de começar o trabalho, aceito indicações. O livro é lindo, vem em uma caixa e amarrado com uma fita. O livro que eu tenho não é meu, é do Ricardo. Me identifico com o texto. Realmente prezo muito mais insetos do que aviões. E Invencionática, no momento, é a ordem do dia. Que venham as tartarugas.




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